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Água de Coco

por Fernanda Carvalho

Não gosto de água de coco. Foi a minha resposta para aquele menino negro de dentes alvos e reluzentes que surgiu do nada, diante dos meus olhos encharcados. De peito nu, ele segurava um coco verde nas mãos estendidas. Um olhar quase de insistência. 

O cenário era de um paraíso. Areia branca, água azul cristalina, sem uma gota de gente desfrutando daquele espetáculo da natureza. Um mar de beleza por fora; um abismo de angústia por dentro. O sol não aquecia a frieza da minha alma. Naquele momento, não gostava de água de coco. Não gostava mais da vida. Não sentia fome, vontade de beber nem água. De coco, muito menos. Sempre fui, assumidamente, da geração coca-cola.

Minha sede era por respostas. Por quê? Por que eu? Por que ele? Exaurida de tanto buscar explicações, pisquei os olhos e vi a gente sorrindo naquele mirante em Aracaju. Foi nossa primeira viagem juntos, eu escondida dos meus pais. No alto daquela torre e da felicidade eufórica de quem estreia no amor, você se deliciava com uma água de coco. E eu com a minha coca-cola!

Só aceitei o coco como figurante para uma foto. Encostei a boca no canudo e flash! Não dei um gole sequer para provar o sabor. O gosto agora é amargo. Por que não merecemos ser felizes? Por que todos os nossos sonhos foram atropelados naquele acidente? Até hoje busco entender. De igrejas a centros espíritas. Desde quando não conseguia dar uma resposta, nem que fosse monossilábica, à psiquiatra que me atendeu ainda em estado de choque. Uma vida inteira de terapia. É tão difícil aceitar que, muitas vezes, a vida simplesmente é. Ou não é para ser.  

Não entrei no mar. Já estava ensopada com a água salgada que me escorria pelos olhos, me afogando por dentro. Eu dispensava salva-vidas. Talvez como forma de gritar para o mundo a dor que estava sentindo. Morria abafada, um pouco a cada dia, desde que passei a recusar as delícias da vida.

Fechei os olhos de novo. Vi seu semblante de prazer saboreando aquele coco. Um pouco da água escorrendo no canto da boca. A língua molhada passando pelos lábios. Me arrependi em tempo de chamar o menino de volta. Ele já estava um pouco longe. Ouviu meu grito. Voltou com o sorriso pulando do rosto. Me entregou o coco verde. Natural. Tirado do pé. Sem canudo. Cortado a facão, jorrou com abundância em mim. Como um cacto sedento, me lambuzei. Bebi até pela roupa. Aquele coco me fez sentir de novo o sabor de estar viva.

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