Quantos anos tem seu sonho? Inteirei 46 agora em dezembro. Não estou perguntando sua idade. Estou falando do seu sonho… Às vezes, ele está tão distante que a gente até silencia. Sente como se tivesse caído em um abismo. Tem vergonha de falar sobre ele. Para a gente mesmo.
Tive um sonho que durou 18 anos. Minha frustração já ia alcançar maioridade quando, enfim, pari meu primeiro livro. Um livro que nasceu da dívida de gratidão por um obstetra que – não amparou meus filhos na chegada ao mundo – mas me ensinou a melhor forma de recebê-los. Consciente e livre de medo para viver a experiência única do parto natural. Saí da maternidade com o filho em um braço e a culpa no outro. Porque mãe que é mãe, por mais que se esforce, sempre encontra um jeito de se sentir culpada.
Prometi que escreveria um livro sobre aquele ser apaixonante que conheci aos 90 anos. Eu tinha só 25 e o sonho de me manter equilibrada entre a maternidade e a profissão. Veio a depressão, acompanhada da síndrome da impostora. Agravada com o peso da notícia de que Dr Gerson Mascarenhas – era esse o nome que queria destacar na história da medicina da Bahia – havia falecido sem que eu cumprisse minha promessa. Deixei de acreditar em mim. E esse é o maior dos pesadelos.
Decidi escrever sobre sonhos depois de ouvir do comunicólogo Fernando Oliveira (temos o mesmo nome e profissão) que o livro A Mídia e a Ordem Sancionada, lançado recentemente, foi fruto de 24 anos de pesquisa, dedicação e longas pausas. Não necessariamente nesta ordem. Entre os compromissos pessoais, atividades profissionais e acadêmicas, um grave acidente de carro fez com que ele pensasse, ainda mais sério, em mudar de rota. Desistir. Mas uma voz interna insistia.
Desde que lancei meu livro, em maio de 2022, fico surpresa com a quantidade de pessoas que me confessam reservadamente também ter um sonho literário. Histórias, vivências, conhecimentos, poemas que sabem que não deveriam deixar guardados. A primeira justificativa para trancar o sonho em uma gaveta é não ter habilidade com a escrita. O fato de ser jornalista, com facilidade de domínio com as palavras, não foi suficiente para tornar a realização do meu sonho fácil. Em uma vida tão atribulada, já com dois filhos, depois de duas empresas e incontáveis clientes atendidos, onde encontraria tempo para um projeto pessoal e não remunerado?
No dia em que tomei – de verdade – a decisão, tudo mudou. Depois de um longo período em que meu livro permaneceu abortado dentro de mim – a palavra é forte, mas era exatamente assim que sentia… com algo impedido de nascer mas que pulsava nas minhas entranhas. Bloqueado. Interrompido. Até que determinei que ele – o meu livro – também nasceria. De forma amorosa, como meus filhos. Em honra a uma pessoa especial que tanto me ensinou.
Mais do que o título de “escritora”, buscava compartilhar com outras mulheres toda aquela sabedoria e sensibilidade em volta do momento mágico do nascimento. Fiz quase cem entrevistas à noite, na hora do almoço, pesquisas em qualquer brecha de tempo possível. Abdiquei dos meus domingos e feriados para o processo solitário de escrita. E quando a gente se move, o universo responde. E responde com generosidade.
E eu não estou falando só de livros. É sobre a sua história, sobre a marca que você pode deixar no mundo. Não importa qual seja o seu sonho. Escrever um livro. Ingressar em uma nova carreira. Ou ter coragem para abandonar a que te remunera bem, mas não te faz feliz. Empreender. Casar. Separar. Ter filhos ou adotá-los. Cuidar de um pet. Abraçar uma causa social. Aprender um novo idioma. Mudar de endereço, de país. Ou, simplesmente, viver no meio do mato. Se uma voz constantemente te provoca, incomoda, te convido a dar um pouco de atenção a ela.
Comece com pequenos passos. Silenciando todas as outras vozes sabotadoras que gritam que seu sonho é impossível. Se não der para silenciar completamente, apenas baixe o volume. E tente escutar uma voz abafada – bem lá no seu íntimo – que pede para que você faça algo. Você sabe o que. Aquele projeto seu, autoral, que ninguém mais faria como você.
Que marca você quer deixar no mundo? Viemos de passagem, mas a viagem muda quando entendemos o sentido da nossa estadia por aqui. O cotidiano insiste em nos engolir mas, lá no íntimo, tem sempre algo que a gente sabe que precisa fazer. Tente dar um passo – nem que seja imaginário – em direção a esse futuro. Visualizar onde queremos chegar já é um começo.
Daí para a decisão é um tapa. Aos poucos, você começa a andar em direção ao seu sonho. A dedicar – nem que seja algumas horas do seu dia, da sua semana, do seu mês – para tirá-lo do papel. Se já saiu do campo da idealização e chegou no papel, já teve ação! E siga, insista, persista… Insista de novo. Tem uma frase de meu pai que se tornou meu mantra: “Falta menos do que faltava”. Resista. Porque ninguém prometeu que o processo vai ser fácil. Pode durar anos, é verdade. Pode ser que a gente nem alcance, mas estar vivendo em busca do sonho já é gratificante, dá força para superar as adversidades. Dá sentido e um brilho diferente para a vida. Podem até dizer que sou sonhadora. Mas, por favor, não me acordem.
- Fernanda Carvalho é jornalista, escritora, autora do Livro A Luz da Maternidade – Relatos de Parto sem Dor conduzidos por Gerson de Barros Mascarenhas. E-mail: livroaluzdamaternidade@gmail.com / Instagram: @fernandacarvalho_cs